O cinema do futuro promete continuar a surpreender e desafiar suas audiências com roteiros caórdicos, onde a cronologia dos eventos é propositalmente desordenada.
Por Juba Paixão
Embora essa técnica possa parecer moderna, seu uso remonta a diretores clássicos e escritores que já exploravam essa narrativa complexa.
Roteiros caórdicos são aqueles que não seguem uma linearidade temporal tradicional. Eventos podem ser apresentados fora de ordem, misturando passado, presente e futuro, forçando o público a montar o quebra-cabeça da história por conta própria.
Este tipo de narrativa pode aumentar a tensão, criar suspense e permitir reviravoltas inesperadas, similar a um livro, onde a história é escrita e narrada de forma a envolver o leitor em uma jornada de descoberta.
Alfred Hitchcock é um dos pioneiros no uso de narrativas não lineares no cinema. Em “Pacto Sinistro” (1951), Hitchcock manipula a cronologia para intensificar a tensão e o suspense, deixando o público constantemente na beira da cadeira. Sua habilidade de controlar o fluxo da narrativa para manter o espectador envolvido continua a ser uma referência para cineastas modernos.
Vários filmes contemporâneos seguem essa tradição de narrativas não lineares. “Pulp Fiction” (1994), de Quentin Tarantino, é um exemplo clássico de um filme que desconsidera a cronologia linear para criar uma história mais rica e envolvente.
“Memento” (2000), dirigido por Christopher Nolan, é outro exemplo notável onde a narrativa é contada em duas sequências temporais, uma indo para frente e outra para trás, até que ambas se encontram.
“Beleza Americana”, dirigido por Sam Mendes e escrito por Alan Ball é um filme dramático que desafia o expectador a tentar descobrir o verdadeiro motivo do protagonista morrer no início do filme.
Os desafios de criar roteiros caórdicos incluem a necessidade de um planejamento meticuloso e uma edição habilidosa para garantir que a narrativa permaneça coerente e envolvente. Com o avanço da tecnologia, a edição e a produção de filmes se tornam mais sofisticadas, permitindo experimentações ainda mais ousadas.
A tendência é que cineastas continuem a explorar e expandir essas técnicas, potencialmente integrando novas tecnologias como realidade virtual e inteligência artificial para criar experiências narrativas ainda mais imersivas e interativas.
O futuro desconstruído pelo passado
A primeira exibição pública de um filme aconteceu em 1895, quando os irmãos Lumière apresentaram “La Sortie de l’Usine Lumière à Lyon”.
Esse evento marcou o início do cinema como uma forma de arte e entretenimento, inaugurando uma nova era na maneira como histórias seriam contadas e experimentadas.
A tendência futurista dos filmes caórdicos foi desafiada pelo escritor Machado de Assis: um visionário Literário, que antes mesmo dos irmãos Lumière e de Hitchcock, já explorava técnicas narrativas inovadoras em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881).
No romance, o narrador conta sua história após a morte, começando pelo fim e revelando os eventos de sua vida de forma não linear. Essa abordagem revolucionária não apenas desafia a cronologia, mas também oferece uma profunda reflexão sobre a vida e a morte. Machado de Assis desconstruiu o futuro com sua obra literária antes mesmo do nascimento do cinema, mostrando-se um verdadeiro visionário.
O futuro do cinema continuará a ser moldado por roteiros que desafiam a linearidade temporal. Com a crescente sofisticação dos espectadores e a evolução das tecnologias de produção, os cineastas terão cada vez mais ferramentas para contar histórias de maneiras inovadoras e surpreendentes.
Desde os clássicos de Hitchcock até as obras visionárias de Machado de Assis, a tradição de desafiar a cronologia narrativa segue viva e forte, prometendo muitos mais anos de surpresas e reviravoltas nas telas de cinema.
Juba Paixão é jornalista, publicitário, estrategista em campanha política e empresário de comunicação institucional – detentor da Cruz do Mérito da Comunicação, categoria Comendador, pela Câmara Brasileira de Cultura.