11 de agosto de 2025
Vitória, ES, Brasil

Entre algoritmos e a caneta: o desafio de ensinar a pensar na era da inteligência artificial

A formação gramatical e crítica das gerações Y e Z está em risco. Nativos digitais, esses jovens cresceram com acesso instantâneo à informação, aplicativos de correção automática e agora às ferramentas de inteligência artificial que escrevem, corrigem e até argumentam por eles.

Por Juba Paixão

O resultado é uma geração cada vez mais ágil no uso da tecnologia, mas também mais vulnerável à perda de autonomia linguística, à fragilidade textual e ao empobrecimento do pensamento analítico. O desafio da educação contemporânea não é mais ensinar apenas o conteúdo, mas preservar a capacidade de reflexão em meio à automação.

Nativos digitais e dependência tecnológica

As gerações Y (nascidos entre 1981 e 1996) e Z (entre 1997 e 2012) cresceram conectadas à internet e cercadas por telas. Estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), publicado na Revista Brasileira de Linguística Aplicada, mostra que o aprendizado desses jovens é marcado por múltiplas linguagens, fragmentação e aceleração, o que exige adaptações profundas nos métodos pedagógicos tradicionais.

Levantamento da Edubirdie (2023), realizado com estudantes universitários de diferentes países, revela que 88% da Geração Z já utilizou alguma ferramenta de IA para fins escolares: 51% para brainstorming, 45% para pesquisa, e 35% como corretor de texto. Apenas 12% declararam ter usado IA para redigir textos inteiros. O dado indica um uso mais colaborativo do que substitutivo, mas não isento de preocupações.

O impacto da IA sobre a gramática e o pensamento

Pesquisadores da RSIS International apontam que ferramentas como Grammarly, ChatGPT e Write & Improve podem auxiliar no ensino da gramática inglesa, promovendo autonomia e reforçando a correção linguística em tempo real. Porém, estudo da Universidade do Cairo (2024), publicado na plataforma ResearchGate, alerta para um risco crescente: a perda da originalidade e da autoria.

Já um artigo publicado na Education Sciences (MDPI), por pesquisadores da Universitas Muhammadiyah Surakarta (Indonésia), conclui que o uso contínuo da IA pode inibir a produção escrita espontânea e reduzir o esforço cognitivo, especialmente em estudantes de inglês como segunda língua.

Estudo conduzido pela New York University e publicado na plataforma arXiv (2024) testou 400 alunos universitários e revelou que usuários intensivos de IA tiveram desempenho 6,7 pontos inferior (em uma escala de 0 a 100) em avaliações escritas, se comparados aos que não utilizaram essas ferramentas. Outra pesquisa da Stanford University, também em arXiv (2023), identificou queda de até 25% na precisão textual entre estudantes que confiaram exclusivamente na IA.

O papel essencial dos professores

A figura do professor torna-se, neste cenário, ainda mais essencial, não como mero transmissor de conteúdo, mas como formador de consciência crítica sobre o uso das tecnologias. Relato publicado pelo portal Business Insider, com base em entrevista com a educadora americana Christina P., revela o desânimo crescente entre docentes:

Não consigo mais saber se o texto é do aluno ou da IA. Isso torna meu trabalho quase impossível.”

O professor passa a ser o mediador entre o conhecimento e a máquina, exigindo mais reconhecimento, capacitação e respeito.

No Japão, por exemplo, o título de sensei carrega peso cultural profundo. Em cerimônias oficiais, o imperador se curva aos professores, um gesto de reverência reservado aos formadores da nação. Essa tradição, documentada pelo Department of International Affairs da Universidade de Educação de Tóquio, reforça a dignidade da carreira docente como base do desenvolvimento social.

Em entrevista especial ao jornal onPost, Fernando Achiamé, professor, poeta e historiador, ressalta que os homens formam-se e transformam-se continuamente. E não podem pensar “fora” de uma linguagem, quer dizer, sem o seu emprego.

Desde que existem, os indivíduos homo sapiens expressam de forma variada suas linguagens típicas. A primazia na comunicação de ideias e sentimentos ocorreu através de signos gestuais, sonoros, visuais, gravados ou desenhados, entre outros. A partir do desenvolvimento das línguas naturais, as pessoas passaram a se entender com o uso preferencial da oralidade. E por milhares e milhares de anos permaneceram nessa condição de povos ágrafos, mas que já possuíam grande refinamento técnico e artístico”, observa.

O poeta pesquisador lembra que o domínio de conjuntos de signos gráficos, ou seja, a escrita em suas diversas manifestações (cuneiforme, ideográfica, pictórica, alfabética), aconteceu enorme mudança cultural na condição humana.

Pode-se imaginar a intensa angústia e apreensão dos nossos antepassados por retirarem de dentro de si (“do coração”, do “decorado”) as ideias, os conhecimentos e fixá-los em materiais externos a suas mentes – tabuinhas de argila, papiros, ossos de animais, folhas de palmeira, pergaminhos, papéis… O estranhamento certamente foi bem profundo. Mais próximos a nós, desenvolveram-se os tipos móveis (Gutenberg) e, com a Primeira Revolução Industrial e as que lhe seguiram (também fontes de intensas ansiedades), multiplicaram-se livros, revistas, jornais, máquinas de datilografia, papel carbono, impressoras, além de se incrementarem todas as artes. Mudanças tecnológicas marcam a Modernidade – fotografia, telefone, cinema, rádio, televisão, computador, Internet, demais meios de informação, de trabalho, aprendizado e diversão”, destaca.

Achiamé complementa que gerações após gerações recorreram aos suportes midiáticos disponíveis para transferir aos mais jovens, formal ou informalmente, o que consideravam importante em suas respectivas culturas.

Agora surge a Inteligência Artificial (IA) para de novo desafiar a Humanidade e ocasionar problemas e tensões de toda ordem. Como qualquer criação, material ou imaterial, a IA pode ser usada em ações benéficas ou prejudiciais. Um pedaço de pau pode dar origem a uma escultura ou a um porrete para matar o semelhante. Um texto pode ser autêntico ou falso, e isso remonta à Antiguidade. Cabe a nós “domar” esse novo recurso inventado por nós mesmos e colocado à nossa disposição, empregando-o a favor do crescimento individual e do bem comum. Para tanto, é necessário lançar mão, obrigatoriamente, do saber que vem sendo desenvolvido há um bom tempo e concentrado no campo da Filosofia, com sua disciplina autônoma chamada Ética, que estuda sistemas mutáveis de valores e normas por meio da Moral. E, assim, na formação de vida e na educação de novos indivíduos é básico, para lhes conferir autonomia emocional, maturidade e espírito crítico, a presença de pessoas (pais, educadores, amigos, colegas) e de prescrições filosóficas consagradas pela comunidade. Elas garantirão que a Inteligência Artificial não leve os educandos para caminhos que lhes causem danos, mas os conduzam para uma vida melhor.”  

Ainda segundo o professor, no que concerne à boa escolaridade dos jovens e adultos, o papel do professor continua insubstituível, mesmo que estejam presentes no processo educativo instrumentos antigos (lápis e papel) ou novos (filmes e IA). As políticas públicas devem oferecer estímulos adequados de modo que os alunos (em geral. novos cidadãos em formação) enriqueçam seus estudos com o domínio da língua em suas formas falada e escrita.

Perguntado sobre o caminho a ser trilhado, o poeta responde:

Pelas leituras atraentes e orientadas, por exercícios continuados de redação, pelo conhecimento da gramática, pela interpretação de textos, pelas encenações, pelo contato com as artes. Enfim, pelo desenvolvimento da capacidade de pensar de maneira crítica e criativa. Para isso, é indispensável que os governos valorizem cada vez mais a carreira dos únicos profissionais que formam todos os demais – os docentes”, conclui Fernando Achiamé.

Educação brasileira e desigualdade regional

No Brasil, os desafios são ainda mais complexos. Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb, 2021) mostram que, em leitura e escrita, alunos do Sudeste e do Sul obtêm resultados superiores aos das regiões Norte e Nordeste. A desigualdade de acesso à tecnologia e à formação docente acentua esse abismo. A incorporação das IAs em sala de aula, se não acompanhada de políticas públicas e formação adequada, pode agravar ainda mais as diferenças regionais.

Maria de Fátima Cordeiro é professora de Língua Portuguesa, Literatura e Arte na rede pública de ensino, com experiência no Ensino Fundamental e Médio, explica que algo vem mudando de forma preocupante.

Para ela, muitos alunos já não se interessam mais em entender a estrutura da língua, em escrever com cuidado, em pensar com profundidade, após o acesso às novas tecnologias.

É como se a resposta rápida da internet bastasse. Com a chegada das ferramentas de inteligência artificial, esse distanciamento ficou ainda mais visível. Vejo estudantes que colam textos prontos, que não sabem defender uma ideia por conta própria, que têm medo da folha em branco”, avalia a professora.

Fátima alerta que não se deve trilhar um caminho que negue a evolução da tecnologia, pois é fruto da evolução intelectual humana.

Não sou contra a tecnologia, pelo contrário, acho que ela pode ser uma aliada incrível, mas o que me preocupa é a perda do esforço. O mundo se desenvolve cada vez mais automatizado, a missão da educação é clara: ensinar os jovens a usarem as ferramentas tecnológicas com ética, inteligência e discernimento, sem abrir mão do esforço necessário para pensar com autonomia e escrever com autenticidade”, pontua a professora.

De acordo com os últimos estudos, a inteligência artificial pode ser aliada, mas jamais substituta da inteligência humana. As pesquisas indicam que o respeito que o Japão dedica a seus professores, nenhuma tecnologia terá valor se não for guiada por quem ensina a pensar.

Fontes:

Revista Brasileira de Linguística Aplicada – UNICAMP

Edubirdie.com – AI Impact on Education Survey, 2023

RSIS International – Artificial Intelligence in the Teaching of English Grammar

ResearchGate – Impact of AI-Based Tools on Writing Skills, Universidade do Cairo

MDPI (Education Sciences) – Universitas Muhammadiyah Surakarta

arXiv – Stanford University Study, 2023; NYU Study, 2024

Business Insider – Entrevista com professora Christina P., 2025

DIA – Department of International Affairs, Tokyo University of Education

INEP – Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), 2021

Entrevista com Fernando Achiamé – Professor, poeta e historiador

Entrevista com Maria de Fátima Cordeiro – Professora de Língua Portuguesa, Literatura e Artes

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